quinta-feira, 4 de agosto de 2016

O Dono do Amanhã

Arthur Tress







as paredes racham

meninos brincam com césio 137

nos quintais a última marca de existência é um campo de penas

e o escultor tenta reproduzir a delicadeza das fêmeas com arames farpados,




é tudo simulação


uma privada exposta em mais um museu

o homem que não sabe cantar mugi

mugiremos até o próximo matadouro

morreremos sem injeção letal e ao som do tic-tac,


é tudo performance


uma legião caminha às cinco da manhã

pelo pão de cada dia vendei-nos hoje e

se tivermos sorte amanhã (e depois), pois

o padeiro não perdoa ninguém e ninguém

perdoará o padeiro pelo trigo transgênico,


é tudo demarcação



células, anticorpos, DNAs,

estômago, refluxo, aparelho digestivo,

fetos e flores de cianureto

levam a assinatura de um único amo:

o dono do amanhã.






poema originalmente publicado na Revista Incomunidade (Portugal)

2 comentários:

  1. tava lendo (traduzindo) alexander blok e lembrei rapidamente de ti, das tuas instáveis e bonitas utopias

    um abraço


    os doze por aleksandr aleksandrovitch blok (excertos; janeiro, 1918) [trans. ramonlvdiaz]

    1.
    noite em trevas.
    a neve tão alva.
    o vento, o vento!
    impossível manter-se de pé.
    o vento, o vento
    arrebatando essa terra de meu deus!

    o vento circunscreve
    a pureza da neve.
    abaixo -- o zero absoluto.
    movediço, árduo
    para todos que ali transitam
    em desgoverno -- uns pobres diabos!

    entre os prédios uma
    corda que estende-se.
    nela suspenso um cartaz:
    "Todo Poder para a Assembleia Constituinte!"
    uma velha senhora lamenta e chora
    sem compreender ,
    "por quê tão grande?"
    com ele poderia calçar os passos
    dos meninos, encobrir mendicantes...
    .
    a anciã, como uma ave ligeira,
    atravessa o monturo de neve.
    -- ah Virgem Maria olhai por nós!
    -- ai a maioria que joga na cova toda gente! (*большевик, bolchevique = maioria)

    .
    o vento é alegre.
    alegre e terrível.
    embala as vestes dos transeuntes,
    rasga, torce e agita aquele cartaz:
    "Todo Poder para a Assembleia Constituinte!"...
    e enquanto embala lança estas palavras:
    .
    ... "também tivemos o nosso próprio congresso... "
    ... "aqui, neste edifício... "
    ... "debatemos... "
    ... "e decidimos:
    por uma hora dez rublos,
    pernoite vinte e cinco
    ... e não cobre menos de ninguém...
    ... vem vamos dormir..."
    .
    anoitece profundamente.
    as ruas desertificam-se.
    apenas um mendigo
    propenso enquanto o vento cicia...

    9.
    [...]
    um burguês estratifica-se na esquina
    sem saber onde meteu seu nariz coberto.
    um cão sarnento aproxima-se indeciso
    e encolhe pondo o rabo entre as pernas.
    .
    o burguês como um cão faminto hesita
    sem nada dizer.
    e o velho mundo estratifica-se na esquina
    como um cão sarnento, também pondo o
    rabo entre as pernas.
    [...]


    12.
    ... e avante, marcialmente seguiam...
    "quem vem lá? saia logo ou atiro!”
    mas era só o vento brincando com
    bandeiras vermelhas logo a frente...
    .
    então adiante num monturo de gelo,
    "ei voce, logo ai, saia logo ou atiro!"
    era apenas um cão vagabundo que
    tropeçava em sua fome.
    .
    "vá-te, cão vadio, ou minha baioneta
    irar perfurar ainda mais teu vazio!
    desapareça também velho mundo
    ou farei a ti muito pior"
    [...]
    "quem vem lá andando em passo acelerado,
    escondendo-se atrás dos prédios?”
    "são todos iguais, irei pegar todos vocês,
    venha logo agora -- desistam de uma vez!”
    [...]

    Rata-tata-tata-tata! apenas o eco
    das balas rebatendo nos prédios...
    apenas a tempestade responde
    com a sua fria risada...

    Rata-tata-tata-tata!
    Rata-tata-tata-tata!

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