sábado, 3 de março de 2012

Declaração pós metamorfose


                                                                                                            

                                                                                                              (para Oswald de Andrade)

Eu, nascida entre fezes e urinas, declaro para todos os fins que além de não acreditar na existência divina também passei a não crer mais na existência humana. Logo, percebo que também deixei de existir no exato momento que a descrença na minha espécie floresceu. Não abasteço mais minha alegria com a famosa esperança e tão pouco culpo os demais seres por esta tristeza que acredito sentir. Enterrei o romantismo junto com as catedrais espirituais e a música que ouço perdeu toda a sua melodia.

Eu, filha de uma experiência mal sucedida, declaro minha abnegação à matéria palpável e a tudo aquilo que provém do meu sexto sentido. Não pedirei misericórdia aos deuses e nem entenderei mais o mundo estudando as últimas descobertas científicas.

Eu, filha do capitalismo, declaro minha impotência econômica, fruto de uma escravidão disfarçada em um trabalho assalariado. Não sacrificarei mais meu tempo de sobre-vida dando lucro à Máquina-Mãe do Capital.

Eu, filha de uma terra explorada, declaro minha ignorância em relação às minhas raízes indígenas. Aprendi a sua gramática inglesa e desconheço o meu dialeto tupi-guarani.