segunda-feira, 16 de novembro de 2009

A Nado

Para o solo não tenho mais pés de andarilho, apenas recordações.

Não há lua que eu não conheça e nem estrela chamada “aquela”.

Fui o mais fervoroso crente no amor: casei doze vezes.

Feio no nascimento e bem arranjado na juventude, agora sou apenas “Seu Tião”.

Escrevi muitos versos, nenhuma página publicada,

mas nas gavetas de minhas senhoras habitavam epopéias.

Lacei Maria no canto, Rosa ganhei na prosa e com Juliana foi amor.

Não fui dono daquela fábrica e nem da fazenda de gado, mas fui autor do meu caminho.

Cada traço do mundo, cada rabisco do infinito, um dia explorei.

Não me pergunte sobre a economia mundial,

pois a única bolsa de valores que conheci foi essa mala carregada de lembranças.

(o vestido de Janaina, o boné de Pedrinho e a pedra.)

Essa pulseira azul foi a condição de volta que Anna me deu.

Mas Tião não volta, Tião sempre segue para uma vida nova.

Até mesmo aqui, no lar dos que não podem caminhar

exploro cada ruga dos meus novos companheiros. ( Não há um mapa repetido )

E a geografia do mundo caí por terra quando descobrimos que cada pessoa é um novo lugar:

um velho carrega um mundo, uma mulher esconde sua realidade e o poeta reinventa o céu.

Por isso Tião nunca volta, o tempo não permite retornos.

Para quê ler o mesmo livro se o mundo é uma grande biblioteca?

Caminhei com as estações e quando minhas pernas falharam continuei o caminho a nado.

Sempre há uma forma de continuar...

Um coração que bateu doze vezes ainda pode desbravar o mar.

Imagem e texto: Lisa Alves

8 comentários:

  1. olá! obrigado pela visita em meu blog! mesmo!
    gostei de teu espaço.
    este seu texto, como uma saga de quem nunca teve nada a dizer, mas quando some todos sentem falta. acho que tô viajando. rs mas interpretei assim.
    esse tião pra mim é como aquele senhor que todo dia ta na praça, mas ninguém o nota. quando morre, todos passam a falar dele.
    deixa eu parar por aqui
    hehehe

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  2. grata pela visita ao máquina lírica... assim cheguei aqui. guardo agora mais um encontro com palavras plasmadas em mundos sensíveis, vagas no mais rico de suas precisões. belíssimas.

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  3. Vc escreve com propriedade. Suas fábulas nos levam ao longe.

    Muito legal, Lisa.

    Beijo para ti!

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  4. lisa,lindo texto!Gostaria de ter escrito.Lindo! observaçao:nao sei se conseguirei postar no comentario.Livia

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  5. Desfecho ímpar. Que somo a outras tantas pérolas espalhadas por seu blog para dizer: ganhou mais um leitor. Originalidádivas.

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  6. quantos Tiãos habitam as profundezas do mundo? Alguns velhos senhores com calças rasgadas e chinelos de dedos cozidos. Pra falar de um texto genial não cabem palavras senão as que o poeta optou por emendar em versos sem ter medo.

    "Escrevi muitos versos, nenhuma página publicada,
    mas nas gavetas de minhas senhoras habitavam epopéias."

    o que é isso senão aquela coisa bela que é arte poética? Eu vou remoer meus dentes e torcer meus neurônios...

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  7. Talvez o personagem hoje conhecido apenas por "Tião" não tenha grilhões como a idealização da felicidade, não deve sofrer pela busca da felicidade ilusória. Em meu sentir, isso é saber viver...
    Saudações Fraternas

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